O intenso caminho em busca da plenitude

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Aos 60 anos, a brasileira Maria Staub, que vive na Suiça há 26 anos, sente-se plena. Mas a estrada para chegar nesse estado de espírito foi longa. No seu livro, “Flor do Sertão” ela conta como foi o seu percurso, passando por uma infância difícil, a superação de uma forte depressão, 22 anos de terapia e como se tornou modelo aos 47 anos. Ela nos revelou que o encontro com a espiritualidade foi libertador para a sua evolução pessoal.

por Juliana da Penha

 

Maria Staub Gonçalves da Costa Gomes é mãe de Daniela e Markus. Natural de Altos, uma cidade no sertão do Piauí, nordeste do Brasil, atualmente vive em Zurique, Suiça.

Maria chegou na Suíça em 1990 com 29 anos, acompanhando o seu ex-marido, cidadão suíço. Após 3 meses no país ela engravidou. Ela ainda não dominava o idioma local, não tinha amigos e uma série de outros fatores, causaram um efeito negativo na sua vida.

Por causa de uma forte depressão regressou ao Brasil em 1994. E foi então que ela iniciou seu processo de cura e a psicanálise foi uma ferramenta que muito a ajudou. Em 2001 voltou para a Suíça decidida a transformar a sua vida, começando com o autocuidado. E esse processo continua até hoje, dia após dia. Uma das descobertas mais significativas foi a importância da espiritualidade. Mas não uma espiritualidade ditada pela religião, mas por uma busca de conhecimento. Outra descoberta, com a ajuda da escritora Claudia Canto, foi a literatura como ferramenta terapêutica. Nesta entrevista, ela nos explica um pouco de sua trajetória inspiradora.

A autobiografia de Maria “Flor do Sertão” escrita por Claudia Canto, está disponível em português e alemão

Entrevista com Maria Staub

Primeiro você saiu de Altos, Piauí e foi para São Paulo. Depois saiu do Brasil e foi para a Suiça. Sair do Piauí e ir para São Paulo é como ir para outro país?

Maria: É a mesma coisa. Foi extremamente difícil viver em São Paulo.  São casos diferentes, mas é muito parecido. A única semelhança entre São Paulo e Piauí é o idioma.  Mas não é tão igual assim, o dialeto do Piauí é diferente. São Paulo é como o exterior para o Nordestino.

“São Paulo é como o exterior para o Nordestino.”

Quais são os aspectos positivos e negativos da vida na Suiça? Como é a vida de uma mulher brasileira na Suiça?

Maria: O lado positivo é que somos obrigados a crescer espiritualmente. A vida é tão dura, a gente apanha tanto que você cresce. Então isso é positivo, a gente cresce e se transforma em outra pessoa, nem que seja na marra. O negativo é que somos muito discriminadas, a brasileira é vista como alguém que não presta, como prostituta, que só quer dinheiro. As outas mulheres me vêem como uma concorrente.

Como você faz para manter as suas raízes brasileiras num lugar tão diferente do Brasil? Você encontrou alguma semelhança entre a Suiça e o Brasil? O que essa nova cultura mudou em você?

Maria: Não tem nada a ver. Semelhança zero. Na verdade, vou dizer 1% de semelhança talvez por causa da religião, eles são cristãos aqui e o Brasil também. Mas acho que só isso. O resto é tudo diferente. Os Suíços são muito frios. Não é que eles sejam ruins, eles são reservados e para entrar no círculo de amizades deles é muito difícil. Todo esse ambiente muda qualquer pessoa que mora aqui. Minha mãe dizia: “Na terra do sapo de cócoras com ele” (risos).

A solidão me fez manter as minhas raízes. A solidão é tão profunda que somos obrigados a ligar para a nossa família. Eu falo sempre com a minha irmã.

Você fala no seu livro de um momento muito difícil que foi a depressão. Você acha que a imigração, as situações que você viveu como imigrante influenciaram esse problema? Como você vê hoje esse momento difícil que você passou?

Maria: Teve a ver um pouco, mas eu já era uma bombinha pronta para explodir, com a infância terrível que eu tive no Piauí, a minha adolescência em São Paulo. Eu nunca trabalhei o meu lado psíquico para me encontrar, também não tinha condições e nem era consciente disso. Eu já era uma bomba, cheia de problemas, pronta para explodir. Então eu cheguei aqui na Suíça, um país fechado para estrangeiros, ninguém convida ninguém para nada. Não é como no Brasil, fazer churrasquinho, por uma musiquinha, aqui eles são bem reservados. Então eu não tinha amizades.  E eu era uma pessoa muito difícil, aquela pessoa que vê problema em todo mundo. Eu sempre colocava problemas nas pessoas, então eu mesma me isolava com a minha língua. Eu era uma pessoa que não era espiritualizada, hoje eu reconheço que o problema que passei aqui era porque eu não era uma pessoa evoluída espiritualmente. Eu achava problema em tudo, era uma pessoa complicada.

A gente vê o mundo como a gente é. Eu estava doente, eu via o mundo doente, cheio de defeitos. Agora que estou bem eu vejo o mundo lindo. Eu estou bem, o mundo está bom, a Suíça tá linda. (risos).

“A gente vê o mundo como a gente é. Eu estava doente, eu via o mundo doente, cheio de defeitos. Agora que estou bem eu vejo o mundo lindo. Eu estou bem, o mundo está bom, a Suíça tá linda. (risos).”

 

Quais foram as maiores lições que você tirou com a depressão? Como é a sua vida depois de ter superado essa fase difícil?

Maria: Eu agradeço muito por ter tido essa depressão. Ter passado pelo vale da morte com essa depressão me fez parar para pensar e meditar que eu deveria me transformar num ser humano melhor.

Então foi uma surra pesada. Hoje eu agradeço essa surra porque se não fosse isso eu não era a pessoa que sou hoje.

Quando eu estava casada, eu jogava toda a culpa no meu ex-marido, na Suíça e o problema estava em mim. Agora estou vivendo bem. Eu fiz 22 anos de psicanálise, mas eu não tinha me encontrado ainda. Eu ainda tinha crises de pânico mesmo tendo feito 22 anos de psicanálise, então eu ainda não estava bem. Eu sentia que era uma coisa espiritual. Eu cheguei à conclusão que eu não iria aprender mais nada com um psicanalista, eu já conhecia muito bem essa área, não tinha mais nada para aprender. Mas eu sentia que precisava desenvolver a parte espiritual. Mesmo tendo crises de pânico eu larguei a psicanálise e comecei a me autoanalisar, a pesquisar e aí encontrei a chave. Superei as crises de pânico e tudo.

Eu não tenho nenhuma religião, mas procuro estar sempre conectada com o universo e com Deus. E eu recebo as respostas que preciso.

Independente da religião eu procurei saber o que os sábios, Buda, Jesus, Dalai Lama, tinham para dizer. Eu procurei compreender o que esses homens fizeram para ser sábios. Eu não sou budista, mas foi impressionante o que encontrei no Budismo. Acredito que se o Brasil fosse um país budista não existiria essa criminalidade.

“Eu não tenho nenhuma religião, mas procuro estar sempre conectada com o universo e com Deus. E eu recebo as respostas que preciso.”

 

“Aprendi que a beleza exterior é consequência direta do equilíbrio da nossa mente. Não há quem resista a uma mulher com autoestima.” Essa passagem do seu livro é muito inspiradora para todas nós mulheres e mostra superação. Você virou modelo depois de superar a depressão, com 47 anos. Conte como foi essa experiência.

Maria: A minha sobrinha que morava em Genebra me achava bonita e me deu 700 francos para fazer um book fotográfico. Na época eu estava bonita, com o corpo bem trabalhado. Contratei uma fotógrafa e quando ela fez as fotos eu fiquei impressionada. Inclusive uma das fotos é a capa do livro. As fotos ficaram lindas e eu me perguntava: “Sou eu mesma?” Eu não acreditava. Através dessas fotos a própria fotógrafa ficou impressionada e me chamou para participar de uma revista de moda na Áustria. Depois entrei numa agência de modelos em Zurique e eu sempre era chamada para fazer propaganda para o Correio e para a companhia de trem. Eu fiz tanta coisa que até esqueci (risos).

A minha psicanalista me falou que a depressão não pode ser curada sem o esporte. E é verdade. Quando eu voltei para a Suíça, eu vim determinada a mudar minha vida. Eu trouxe fotos de um monte de mulher sarada na parede e enquanto eu corria na esteira eu olhava para as fotos e dizia: “Eu vou ficar assim”. Em dois anos eu estava melhor que elas. (risos)

Naquela época eu ainda precisava de reconhecimento. Eu era uma mulher que ainda estava buscando ser reconhecida. Hoje eu já não preciso mais disso.

Você pensa em voltar para o Piauí?

Maria: Eu sempre falava que São Paulo era a minha segunda mãe, a mãe que me educou. Eu saí do Piauí sem saber nem pegar num garfo e a cidade me educou, como um golpe de machado, na marra.

Quando eu fui de férias para o Piauí, meu namorado falou: “Vamos para São Paulo”. Eu nunca mais tinha ido lá, desde 2001.  Quando eu cheguei em São Paulo, eu vi que a cidade não tem nada a ver comigo. As pessoas são parecidas com as da Suíça, o clima era igual porque estava frio. Eu falei Deus me livre de vir pra cá! É uma Suíça dentro do Brasil, uma Europa dentro do Brasil.

Quando eu cheguei no Piauí tinha aquela alegria, aquele povo receptivo, as pessoas que a gente nem conhecia fizeram almoço e chamaram a gente. Gente humilde, uma senhora de 92 anos que eu nem conhecia, cozinhando, se esforçando para agradar a gente. Eu pensei, é daqui que eu sou! Piauiense!

Por onde eu passava, pessoas que eu nem conhecia me abraçavam. Aqui na Suíça não tem nada disso! Eu me senti tão acolhida e pensei: meu Deus esse é o meu povo! Pessoas simples, boas, dadas. Eu também sinto que eu tenho que ajudar, compartilhar um pouco do que eu aprendi para adolescentes carentes, com problemas psíquicos.  Em todo lugar do mundo existem adolescentes com problemas psíquico e, no Brasil, existem muitos. E eu gostaria de ajudar essas pessoas, passar o que aprendi para elas. Eu comecei a fazer um curso online de Psicanálise. Estou buscando conhecer as técnicas para poder ajudar. Quando eu me aposentar eu quero ficar aqui (Suiça) e lá (Brasil).

“Quando eu cheguei no Piauí tinha aquela alegria, aquele povo receptivo, as pessoas que a gente nem conhecia fizeram almoço e chamaram a gente. Gente humilde, uma senhora de 92 anos que eu nem conhecia, cozinhando, se esforçando para a gente. Eu pensei, é daqui que eu sou! Piauiense!”

Existem brasileiros que vivem no exterior dizem que nunca mais querem voltar para o Brasil. Alguns negam suas próprias origens. O que você pensa sobre disso?

Maria: Esses brasileiros que falam que nunca mais querem voltar para o Brasil são pessoas que não se encontraram ainda.

Não dá para negar as nossas origens. É difícil ser nordestino, vir da catinga, do agreste. Mas talvez essa dureza, de batalhar pelo alimento, que me fez ser essa mulher forte. No pico da depressão, eu nunca pensei em me suicidar. Muito pelo contrário, eu pensava em lutar, eu tinha medo de morrer. Esse nordestino, como eu falo no livro, já é por natureza uma pessoa forte, porque já luta desde quando nasce. Enquanto eu não tinha me encontrado, eu não queria nem saber do Brasil também. Mas quando estamos bem, a gente se encontra e você vê, poxa que país maravilhoso é esse. Esse é o meu país.

“Esse nordestino, como eu falo no livro, já é por natureza uma pessoa forte, porque já luta desde quando nasce”

 

Apesar de todas as dificuldades da vida de imigrante, você fala que todo mundo deveria viver fora do país. Por quê?

Maria: Para eles apanharem e evoluírem espiritualmente. Não foi só comigo. Outras mulheres também apanharam para se encontrar, para evoluir.

Por que você escreveu esse livro?

Maria: Eu fiz esse livro para os meus filhos Daniela e Markus. Eu queria passar essa história de vida e luta para os meus filhos. Aqui na Suíça a vida é como um lago, só tem o plano, não tem os altos e baixos. Então eu entreguei o livro para eles e disse: A vida é como um mar, não é plana como um lago. O mar tem altos e baixos, maré alta e baixa. Quando vocês estiverem na maré baixa, não se desesperem, abram o meu livro e vejam a minha história para vocês pegarem força, lutar e seguir em frente. Esse foi o meu objetivo.

Qual é o seu sonho?

Maria: Ainda existem algumas coisas da área espiritual que eu quero evoluir e aprender mais. Eu já aprendi muitas coisas no campo espiritual que me ajudaram, como me desprogramar mentalmente, tudo isso com a ajuda de livros, principalmente do Budismo. Meu sonho é crescer cada vez mais espiritualmente, com a intenção de ajudar as pessoas. Eu não tenho foco em dinheiro, em ficar rica. Eu sou do tipo que, morando num quartinho pequeno, bem arrumadinho, limpinho, estou muito feliz. Não preciso de muito para ser feliz, só preciso de paz.

“Não preciso de muito para ser feliz, só preciso de paz.”